Depois de um pouco mais de 100 dias trabalhando com alguns eventos como o "Mês do Montanhismo" e algumas expedições, a ansiedade já fazia meu corpo sentir os efeitos. Precisava me lançar novamente nessa experiência, onde o fato de estar sozinho a maior parte do tempo, me faz refletir sobre muitas coisas. O medo também se fazia presente e precisava enfrentá-lo logo. Isso estava me consumindo. Acabei atrasando o meu retorno a esta jornada em quase um mês, tentando resolver pendências que me deixassem mais tranquilo na viagem. Mas hoje começo a entender o porquê de tantos contratempos, nada como algumas pedaladas para refletir sobre os acontecimentos e ver que tudo faz muito sentido. Mas vamos ao que interessa.
Resolvi retomar de Porto Velho mesmo, pois o trecho até Ariquemes ainda não havia experimentado totalmente. Apenas entre Ariquemes e o entroncamento de Cujubim tive a oportunidade de pedalar em julho. Sair de Porto Velho também ajuda a acalmar a ansiedade, pois quanto mais próximo à casa, mais segurança nos testes iniciais. Parti no sábado (25/10) por volta das 9hs, um pouco atrasado, mas sem tanta pressa. Comecei com uma média de velocidade alta... quase 19 km/h, mas logo senti o desgaste. Antes mesmo dos 50 kms iniciais, estava sentindo pequenas contrações de caimbra e entendi que estava forçando a barra. A minha preparação para esse trecho não foi como esperava e devia pegar leve, já que estava ainda em treino. Parei um pouco depois da entrada da Usina Hidrelétrica de Samuel e me alimentei um pouco, voltei a me hidratar bastante e diminuí o ritmo.
O tempo nublado ajudou a não sentir tanto o primeiro dia. Segui cantando e resolvendo minhas pendências internas, levantando o pensamento sempre que balançava e curtindo a viagem. Logo, dois rapazes que estavam em um carro, pararam mais a frente com o pretexto de tirar água do joelho e me abordaram quando passava. Estavam curiosos e depois de algumas indagações, contaram que são apaixonados por bike tbm, mas do estilo speed. Ficamos felizes de nos encontrar e os desejos de boa sorte eram visíveis no ar. Expliquei o projeto e o destino, e ficaram tão animados que um deles se predispos em colaborar com dinheiro para incentivar. Foi algo muito louco, ao mesmo tempo que não queria aceitar, algo dentro de mim falava que aquela ajuda era um sinal, de que bons ventos estavam apoiando essa aventura. Desejei por um bom tempo da minha jornada que aquele dinheiro não fizesse falta para ele. Esses pensamentos bons, são como imã, atraindo outras pessoas boas para perto.
Na chegada em Itapuã, no fim de tarde, tentei abrigo junto a um posto da PRF inativo, onde apenas vigilantes tomam conta do patrimônio. O responsável pelo plantão era David Avarenga, um sujeito muito bacana, que além de não criar empecílios para meu acampamento, ofereceu sua casa e alimentação para aquela noite. Era tudo o que eu precisava. Uma cama para dormir depois de 118 km rodados. Conheci a família toda, e me receberam muito bem. Às vezes penso que o medo nos afasta de conhecer pessoas tão boas pelo mundo. Quero deixar aqui um abraço fraternal a todos da família Avarenga que me receberam (David, Karla, Fernanda, Jhonata, Vanilda, Fábio e Amanda). Foram uma benção nesse primeiro trecho. Novamente o Todo se mostrando com os bons ventos.
Depois da alegria do primeiro dia finalizado, descansei e acordei conversando um pouco mais com a família Avarenga naquele domingo de eleições presidenciais. Acomapanhando apenas como observador, ficou marcado para mim... Ver os dois lados da moeda sem se posicionar, faz criar uma percepção diferente dos fatos, e cada vez mais, acreditar na mudança a partir da evolução da consciencia individual e coletiva, e não no aparecimento um herói político. Eles são reflexos do povo, e se fazem o que fazem, é pq nós apoiamos. Vi nesse tempo de campanha, cada um puxar para seu interesse particular. Vi cada um se ofender a opnião contrária, como se não pudesse haver duas opniões. E sempre que começava a entrar na vibração do que presenciava, tentava me centrar novamente e não me manifestar. Um exercício extremamente difícil. Lembrava sempre que aquilo que me incomoda, é o que está dentro de mim. Se vejo defeito nos outros, é pq ele está em mim. Não tem exercício melhor para se autoconhecer. Que a nossa presidente eleita, o nosso governador, nossos senadores e deputados eleitos, administrem de forma responsável o poder que lhes foi dado. Que a consciência deles também comecem a se manifestar, esse é o meu desejo. E é nisso que quero focar, pois tudo começa no pensamento.
Segui pedalando no segundo dia de jornada, agora com a esperança de encontrar a galera que estava planejando escalar uns boulder no setor "Rey do Peixe". São uns blocos de Granito próximos ao Lago de Samuel, exatos 21 km de Itapuã. E tem um outro setor para explorar tbm que fica uns 4 km mais a diante, em frete a uma antena. Passei por lá e nada da galera... como já se aproximava o meio dia, decidi seguir até a Fazendinha onde já imaginava o gosto de um açaí completo para reforçar minha viagem. Antes de chegar, fui abordado por outro carro. Era Fábio e Amanda que me acolheram na noite passada. E novamente, mais um apoio financeiro veio. Fábio desta vez quis participar deste projeto e me presenteou... Não sei nem como agradecer essas pessoas maravilhosas que Deus coloca no meu caminho. Desejo muito bem a todos e espero poder retribuir essa ajuda um dia. Os momentos seguientes a estes acontecimentos, são de vibração intensa, que o corpo chega arrepiar todo de agradecimento...
Chegando na Fazendinha, me alimentei e descansei um pouco entrando em contato com a galera pois lá existe uma Wi-Fi Zone. Confirmei que não viriam mesmo e segui antes que a chuva chegasse, pois o tempo fechava à Oeste. Quando avaliei melhor, a Leste tbm caía chuva, mas estava sendo levada pelo vento na mesma direção que eu, então peguei apenas asfalto molhado. Os últimos 25 km deste trecho foram os mais desgastantes. Acabou o acostamento asfaltado, e agora o barro tomava conta. Movimento de carretas e carros, não me deixava compartilhar a pista e sofri com a bike preparada para asfalto. O barro travava as rodas e a relação, e me fazia prender a atenção muito maior para não cair pois os pneus que estou usando são lisos. Tudo ficou mais pesado, tudo parecia dar errado, mas eu só pensava que aquilo era um teste de paciência e atenção. Não queria me irritar com o governo ou quem quer que seja. É muito difícil, mas foi um bom teste para vigiar o pensamento. Lembrava do quão boa a viagem já tinha sido até aquele instante e isso me deu forças para enfrentar os problemas. Pedalar nessa época é realmente uma aventura. Próximo a entrada de Rio Crespo, muitos afloramentos e bloco de Granitos que eu ainda não tinha visto, embora tivesse passado por ali dezenas de vezes de carro. "A bike é mesmo a velocidade ideal para quem quer ver a paisagem" (palavras de Fabrício Kriger, um mochileiro/caroneiro que ficou hospedado em casa por um tempo).
Em Ariquemes e entrei em contato com Iara, uma Eng. Florestal baiana que foi apresentada por Taíssa, estudante de Ed. Física que me procurou para saber mais dos esportes de aventura que a AV trabalha. E de futuras praticantes já se tornaram anfitriãns da minha passagem por Ariquemes. Muito bem recebido, fiquei hospedado na república dos Engs. onde Iara mora. Logo vi mais um dos motivo pelo qual ela entrou no meu caminho. Essa baiana conhece e adora a Chapada Diamantina e eu quero conhecer. Decidi descansar e organizar algumas coisas na segunda (27), pois o corpo pedia. Com o aval da anfitriã, descansei e ainda conheci um pouco da sua rotina, um tanto quanto corrida. Taíssa, sempre encontrava conosco quando possível pois sua rotina também é muito puxada, trabalhando de dia e estudando à noite. Só tenho a agradecer as duas pela hospedagem e dedicação, pois ainda se preocupavam com minha alimentação. Sairia na terça, mas me ofereci a ajudar Iara na coleta de dados em campo que ela teria que fazer sozinha. Como não tenho prazos, acabei ficando mais um dia. Nada ruim pois foram dias bem agradáveis em Ariquemes, de boas conversas, daquelas que a gente revê nossos valores, missões e se fortalece. É muito bom encontrar pessoas que a gente se identifica. Que bom que encontrei as duas. Ainda conheci Araceli, outra amante de bike que já era para ter conhecido na passagem anterior por Ariquemes.
Saí na quarta (28), em direção a Jaru, onde novamente encontraria Mariana Patrício, mas desta vez ficaria hospedado em sua casa. A pedalada foi tranquila, embora todo o trecho era de aclives e declives. Alguns blocos pequenos na saída, e um afloramento de granito para aderência na altura do km 20 foram registrados. Quando ainda estava Ariquemes, recebi uma ligação de Fabi e Leo, grandes amigos, que me falaram que estavam retornando de Goiânia, e que me encontrariam na estrada pois estavam saindo de Cacoal. Quando nos encontramos, a felicidade foi intensa. Estava com saudades daquela família, e logo nos perdemos nas nossas conversas profundas na beira da BR. Nossos reencontros nessa vida são sempre bem festejados. Nos despedimos com uma prece e seguimos viagem em direções opostas. O restante da viagem foi bem desgastante, média de velocidade caiu para 12 km/h, e com o apoio da família Patrício, pude descansar mais um dia (quinta) em Jaru. Pude também participar de palestras e estudos no Centro Espírita que Mariana frequentava. O mais legal de ficar hospedado na casa das pessoas, é poder participar um pouco da sua rotina. Ainda mais da família da Mariana, que sinto um carinho inexplicável por todos. São pessoas iluminadas que identificamos pelos sorrisos. Obrigado, Lívia, Irenice, Mariana, Cróvis e Bóris.
Na partida, mais um dedinho de prosa com a matriarca da família Patrício, Irenice, e acabei saindo com o sol já alto novamente. Mas é sempre bom conversar e aproveitar esses momentos com pessoas tão especiais. Naquele dia, pedalaria apenas até a Fazendinha Agroecológica de Ouro Preto Do Oeste. Lá existe uma pedreira desativada onde podemos praticar uma escalada esportiva e além de alguns boulders que cada vez mais encontramos em meio a propriedade. Foram aproximadamente 65 km de aclives e declives também e já havia mapeado aquele trecho em julho, mas não havia citado o Morro da AABB que fica na saída de Ouro Preto rumo a Jipa. Local onde abrimos várias vias em aderência. Cansei bastante, mas estava animado pois encontraria a galera que planejava escalar este fim de semana. Chegando lá, fiquei sabendo que eles não viriam mais pois os alojamentos e chalés estavam reservados.
Logo pude entender que minha passagem por ali seria com outro propósito desta vez. Pedi para Murilo, filho de Deuzemínio e Jacinta (proprietários), um lugar para armar acampamento ali próximo mesmo, e logo cederam um local na agroindústria que no fim de semana fica inativa. Durante a minha estada, Deuzemínio e eu, passamos caminhando, fotografando e mapeando com GPS vários dos projetos que ali se concretizam: As Engrenagens da Sustentabilidade. São experimentos pioneiros que durante 15 anos vem se desenvolvendo na Fazendinha em sistemas agroflorestais integrados com grandes resultados e com maior harmonia com a natureza. Que a Amazônia será ocupada, isso é um fato, mas como? deve ser a pergunta.
Foi uma grande experiência, conhecemos várias nascentes e locais com potenciais para desenvolver vários projetos educacionais e turísticos. Desde trilhas para caminhadas, montain bike e passeios a cavalo. Conhecemos o ponto mais alto da região e vários novos projetos para o próximo ano foram mensionados. Agora é amadurecer a ideia e nada melhor que umas pedaladas para isso. Pessoas iluminadas como Deuzemínio estão sendo cada vez mais requisitados. Pessoas que desenvolvem projetos de ocupação ordenada e de alta produtividade visando nossa harmonia com esta região tão importante para o mundo. No sábado à noite, uma resposta da natureza ao desmantamento desordenado, uma tempestade nos surpreendeu. O vento muito forte derrubou várias árvores, na sua maioria, solteiras, sem apoio de outras e leguminosas que geralmente são mais frágeis. Nenhuma atingiu as estruturas ou carros de hóspedes no local. Realmente, como diria Raul Seixas... "a chuva voltando para terra traz coisas do ar...", e para uma família que só solta o bem no ar, ela não traria grandes estragos. Todos saimos ilesos sem grandes perdas materiais. Pela sua força, deve ter feito grandes estragos na região.
Deixei a Fazendinha no domingo, mas de carona com Murilo, pois a bike furou o pneu. No caminho para Ji-Paraná de carro, um mal estar me fez devolver para terra o açaí que acabara de comer. Várias hipóteses sobre o que aconteceu, mas no fundo, sei bem o que foi. Agora, na casa de um tio que tenho em JiPa, pude descansar e me recuperar deste contratempo. Este tio e sua família já me apoiam há muito tempo, sempre cedendo hospedagem para mim e alguns amigos. Só tenho a agradecer essa família maravilhosa que de quebra, sou padrinho de sua filha mais velha, Meg. Um grande abraço a todos: Rosiel, Roseli, Meg, Lívia e Jeni Sara. Sigo em recuperação muito bem hospedado, mas ansioso para retornar o pedal rumo a Presidente Médice.
Alguns detalhes da viagem não tem como relatar, mas são muitos pequenos acontecimentos que me deixam cada vez mais feliz por estar vivenciando esta experiência. Estar ligado em tudo, me faz ser muito grato por esta oportunidade, e quanto mais agradeço, parece que o Todo se mostra feliz com essa gratidão me presenteando com pessoas maravilhosas em cada ponto que paro, e em cada conversa um aprendizado. Todos tem algo a nos ensinar, é só deixar o egoísmo de lado e reparar o quanto temos para aprender ainda. Tento me conectar a cada pessoa ao meu redor, me dedicar a eles. Mas às vezes, a saudade daqueles que amo aperta no peito, tento me concentrar nos bons momentos que tivemos, e sei que sentem, pois estão à distância de um pensamento.