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Trecho 6 (JIPA-Vilhena)

 
 
             Dois dias de recuperação na casa de meu tio foram suficientes para seguir viagem rumo a Presidente Médice. Um percurso pequeno, de 38 km, mas que me faria avaliar melhor minha condição física, visto que estava apreensivo depois do ocorrido. Meu tio ainda fez o agrado de arrumar o pneu da minha bike para seguir viagem e ainda me ajudando de outras formas. Na quarta (5/11), decidi seguir viagem cedinho, mas a chuva fez eu retardar a saída. Logo em seguida, recebi uma ligação, era Leonardo de Curitiba, um colega de profissão que estava pela região e queria algumas informações sobre cachoeiras e locais para atividades de aventura. Combinamos de nos encontrar no fim de semana em Pimenta Bueno.
            Logo após o almoço, a chuva passou e pude seguir pedalando. Estava tranquilo, e faltando uns 10 km, encontrei Elker voltando de Jipa. Iria ficar hospedado em sua casa, e aproveitei a carona, economizando energia para o dia seguinte. Sua família me recebeu muito bem, e ainda zuavam falando que ele tinha achado outro irmão, pois a barba dele estava enorme e a minha estava bem grandinha também. Naquela noite conheci a família toda dele, Karuel, Yurik, Hans, Leide e seu Manoel. Haveria uma reunião do Moto Clube e Jipe Clube na casa deles. Eles tem uma paixão por carros. Deu para notar, logo que cheguei, pois mexiam em um motor V8 que estavam testando para colocar em um Galax. Foi bem agradável a noite onde experimentei de uma novidade para mim... coxinha de peixe... muito bom e conversei bastante principalmente com Dona Leide, Elker e seus irmão e amigos como Alisson, sobrinho do Ênio, um caçador de aventuras da região. 
                Na manhã seguinte, tratei de arrumar as coisas e partir com o sol já aquecendo, mas  o pneu da bike estava baixo. Elker e eu levamos para arrumar e acabei trocando a câmera convencido pelo mecânico de bikes que aquela era mais grossa. O problema é que ele não retirou o arame que estava furando as câmeras desde Jipa. Me despedi da galera toda pela hospitalidade e alegria e segui... antes dos 10 km o pneu já estava mucho novamente. Então, tentei eu mesmo remendar, e logo percebi o que estava acontecendo. Removi o arame e tentei fazer o remendo frio, que não segurou muito. Fui pedalando e enchendo o pneu dianteiro a cada 5 km. Isso fez com que o desgaste fosse bem maior do que esperava.
              Cheguei exausto em Cacoal depois de 70 km. Mas feliz por ter concluído mais uma parte do trajeto. Antes de encontrar com Camila, uma amiga que iria me acolher naquela cidade, passei em uma borracharia e no caminho ainda parei para conversar com algumas pessoas em um posto. Acabei conhecendo Kenio, um sujeito gente boa, que adora aventuras também.  Trocamos contatos e nos despedimos depois de um bom tempo de conversa. Encontrei Camila já no fim da tarde e ela me levou para seu apê onde conheci sua mãe Beth e Vanessa uma amiga que mora junto com ela. Conversei um pouco sobre a viagem, e pude conhecer um pouco mais delas...
        Camila é uma pessoa super alto astral com uma linda alma que não deixa o medo lhe impedir de fazer o que tem vontade... e isso é inspirador. Fez uma janta deliciosa e tentei ir dormir mais cedo, para descansar do dia exaustivo. Na manhã seguinte, tomei um café reforçado e me despedi de Camila em seu emprego... decidi passar para ver um amigo das antigas. Grande Clédio... relembramos alguns fatos marcantes da nossa adolecencia/juventude, onde íamos de bike acampar em uma cachoeira ali próximo. Lembrei também o fato dele ter me dispertado o interesse por viagens de bike quando viajou com um amigo até Jipa (onde eu morava em 95). Foi muito bacana aquelas conversas mas logo me despedi e segui viagem.
            Dali para frente estava entregue ao mundo... os amigos que conhecia e tinha contato estavam até Cacoal, e isso me deixava um pouco apreensivo. Essa apreensão, fez abaixar a vibraçao, e como um imã... pow... o pneu traseiro estourou. Estava bem gasto, mas queria chegar em Pimenta Bueno para tentar um apoio junto a Ciclo Cairu que tem sua sede lá. Mas as coisas não acontecem à toa. Quando olhei para o celular, vi uma mensagem do Kenio, perguntando como estava a viagem. Foi minha salvação. Quando contei o que havia acontecido, veio me socorrer na mesma hora. Tive sorte dele estar de folga também. Me levou em uma loja de bicicleta que ele conhecia, comprei o  pneu e o eixo que havia quebrado também. Fez questão de me pagar o almoço e trocamos mais algumas ideias. Ele me contou sobre sua vontade de ir aos Andes de Biz... Essa era sua aventura. Dei maior força, falando para ele se preparar bem e tocar pra cima. São essas histórias que nos fazem crescer. Nos despedimos e só então pude sair de Cacoal rumo a Pimenta Bueno.
             O trecho foi bem tranquilo. Quase 50 km com algumas subidas, e a chuva que sempre ameaçava cair. Mas cheguei seco e fui direto a loja da Ciclo Cairu. Lá consegui um apoio de algumas peças com Valdemar da Revenda que há na cidade. Precisava trocar o pneu dianteiro tbm. Naquela noite, procurei um hotel pois não achei um lugar bacana para acampar e descansei bem. No dia seguinte, encontraria Leonardo, o brother de Curitiba e como ficaria mais um dia em Pimenta, pedi apoio para um brother do Corpo de Bombeiro que havia encontrado na estrada, pois em uma viagem longa como essa, todo apoio é bem vindo para concluir o projeto. James é um parceiro que conheci em uma das aventuras dessa vida, e logo entrou em contato com os bombeiros de plantão e fui alojado no batalhão pelo bombeiro Messias que me recebeu muito bem. Lá esperei Leonardo que viria de Rolim de Moura onde estava trabalhando.
             Por volta do meio dia do sábado ele apareceu. Almoçamos e novamente ganhei o almoço, na sequência, seguimos para o Vale do Apertado, pois queria mostrar para ele algumas cachoeiras que conhecia. Chegando lá, para nossa infelicidade, não deixaram caminharmos pela reserva da usina, pois segundo o responsável, estavam fazendo monitoramento de animais com cameras e sensores de movimento. Mais tarde, descobri com os bombeiros que houve um acidente com um pescador que chegou a falecer e isso sempre dificulta a entrada de pessoas na reserva. Lamentamos a viagem perdida, mas foi muito bom para conhecermos nossos trabalhos e trocarmos contato. Acredito que as coisas nunca são por acaso.
                  Voltei para o batalhão do Corpo de Bombeiros e na troca de turno, conheci mais alguns daqueles que ficam de plantão, sempre atento para socorrer aqueles que precisam. Foi legal conhecer um pouco da rotina deles. No domingo, haveria a possibilidade de visitar uma outra cachoeira com Leonardo, mas não rolou e tentei voltar para estrada. Mas a chuva armava com tempestade elétrica, então resolvi não arriscar. Fiquei de molho descansando e conversando com a galera que trabalhava ali. Queria agradecer mas não lembrarei o nome de todos mas alguns consigo citar. Messias, Mendes, Seguro, Belo e o Grande Batista, que já conhecia de aventuras também, assim como Rones.
                    Na segunda (10/11), o céu ainda estava nublado, mas não havia presença de chuva forte ou raios. Decidi seguir, me despedindo de todos e encarei o trecho. Antes da partida, ainda conversei com Batista e pedi mais um apoio. Se pudesse entrar em contato com o Batalhão de Vilhena, pois sabia que aquele trecho seria bem cansativo, e um colchão, aliviaria um pouco do cansaço. Ele prontamente se dispos ajudar e prometeu entrar em contato com o pessoal lá. Segui rumo ao  extremo leste do estado. encarando um dos trechos com mais subidas e descidas que ja havia pegado.
             No fim da tarde em um vilarejo conhecido por Guaporé.  Depois de pedalar 90 km cheio de aclives.. Pude observar que o solo era mais arenoso, e que uma vegetação mais  parecida com  cerrado era cada vez mais constante. Nada de pedras visíveis, mas o terreno era propopício ao aparecimento. Notei tbm que a cota vinha aumentando e estava em um dos pontos mais altos do estado... o clima já se tornava mais ameno, até senti frio em determinados momentos. Armei acampamento em uma cobertura na frente de um alojamento desativado e pude até lavar roupa nos tanques que lá haviam. Fiz comida e tratei de descansar, no dia seguinte haveriam mais 90 km de estrada do mesmo estilo para pior, segundo informação de alguns caminhoneiros que ali descansavam també. 
                   Saí cedo novamente, depois de preparar meu café e comprar algumas frutas para viagem. Estava ansioso para chegar na cidade que marcaria a travessia do Estado de Rondônia. Novamente, mais subidas que descidas, me fizeram chegar na cota de 550 m. Quase 500 m a mais que Porto Velho, e o clima agradável era perceptivel. Outra observação foi o aparecimento do cultivo da soja, que já começa a ser cada vez mais constante naquela região, e outras perguntas vêm na cabeça... Se devemos consumir produtos regionais pois são eles que contém o necessário para nos abastecer pois são produzidos nas mesmas condições que nós nos desgastamos (clima), por que  queremos exportar produtos? Por que queremos movimentar tantos produtos pelo mundo? Parece que a resposta sempre incide em uma mesma resposta: Pseudodesenvolvimento... Vamos seguindo modelos lineares de produção claramente ultrapassados. Pensar em outros modelos de produção tornam a nossa ocupação da Amazônia mais harmônica e não sofremos tantas catástrofes da natureza tentando entrar em equilíbrio novamente. Mudar bruscamente a ocupação do solo que levou milhares de anos para se equilibrar com certeza trará consequências... mas quem se importa com isso? Talvez a galera que se pergunta de onde estão vindo os ventos com mais de 100 km/h e as tempestades... ou a galera que não tem mais água em São Paulo... ou mesmo aqueles que não conseguem mais plantar pois o solo foi degradado com a exploração da monocultura... ou mesmo aqueles que não tem mais o rio para pescar pois está assoreado... Ou mesmo aquele que não aguenta mais viver sem um ar condicionado. Vamos sofrendo com a nossa própria ambição. E assim vou pedalando e pensando... coisa que não fazemos quando estamos na correria do dia-dia.
                  Essa época é regada de muita chuva, e em meio as plantações de soja, o campo de visão aumenta, podendo identificar a chuva ainda longe. Em determinado momento, percebi a chuva me perseguindo já próximo à Vilhena... os carros passavam por mim molhados, e quando olhei, ela estava realmente chegando. Acelerei. Foi uma fuga emocionante. Era uma área plana, com algumas descidas, e olhava no odômetro do GPS, estava mantendo a velocidade de 30km por hora, e percebi que nesta velocidade ela não me alcançaria.
                   Chegando em Vilhena, pude perceber também a organização da cidade, uma demonstração de amor de seus moradores... Nos leva a crer que para viver bem, basta colocar amor no meio em que se vive. Procurei o Batalhão do Corpo de Bombeiros pois ainda não tinha ideia se Batista havia conseguido contato. Lá fui recebido por Gomes, que conferiu e realmente, Batista havia pedido esse apoio. Depois de muita conversa, fui conhecendo os bombeiros de plantão e sabendo mais sobre as atividades de aventura. Raul e Venson, me indicaram vários locais no Mato Grosso onde praticam mergulho e acampam. Araújo e Marcone (corredor maratonista) me contavam sobre suas histórias... fui muito bem recebido em ambos os quarteis. Não sei ao certo a patente daqueles que tive contato, mas na verdade, para mim não importava muito... eram boas almas embaixo daquelas fardas e as estrelas e medalhas não fazem diferença para mim.
                Dormi muito bem, tomei um café e depois de me preparar para deixar o Estado, me despedi daqueles bombeiros que seguiam em mais um dia normal de trabalho e salvamentos. Era quarta feira (12/11), e enquanto saia da cidade, fazia uma retrospectiva do que tinha sido aquela viagem até ali. Estava muito feliz, estava apreensivo, estava agradecido. Cruzei Rondônia pela lendária BR 364, enfrentando todo o movimento da principal rodovia do estado e em geral não foi tão perigoso. Quase todo o percurso é provido de acostamento, o que é essencial para o cicloturismo. Meu desejo ficou ainda enquanto estava em estradas rondonienses, que mais pessoas comecem a se interessar por esta atividade, se aventurando e aprendendo, enfrentando seus medos com responsabilidade. Viver é um risco. Acho que passei mais perigos nesta BR de carro do que de bike. Olho para trás e imagino minha família e amigos que vou deixando a cada pedalada mais distante fisicamente, logo olho para frente e vou vendo um mundo novo se aproximando na mesma velocidade. Penso, logo estarei de volta, vou ali conhecer umas coisas.
 

                                                Tangará da Serra - MT, 23 de novembro de 2014.

 
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2000 Km em Rondônia
Acampamento em Guaporé
Bombeiros de Plantão - Pimenta Bueno
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Arrumando a bike
Manutenção
Karuel e Elker
Grande Clédio...
Camilinha
BR 364
Bm Venson
Soja em Rondônia

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