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Trecho 2 (GM-Tracoá)

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Depois de recuperado, e com uns quilinhos a mais, na terça (10/06) peguei estrada novamente. O objetivo agora era chegar o mais perto possível e pegar o máximo de informações sobre o Complexo Tracoá, e o caminho mais próximo era seguir pela Linha D, que começa em Nova Mamoré e entra pela Estrada Parque (recém aberta para dar acesso à área isolada pelas enchentes), chegando até Buritis e de lá, seguiria com mais informações para Campo Novo de Rondônia, próximo ao local desejado. No caminho, iria mapeando o que achasse. Antes de sair, passei em uma bicicletaria para ajustar algumas detalhes na bike: pneus (para estrada de chão) e guidão (para melhorar a postura), este último ainda ficou pendente.
Saí de Guajará e segui pelo trecho que havia passado de noite na chegada. Peguei o ponto da entrada de uma trilha conhecida que leva ao cume da serra na saída da cidade, e tirei fotos das paredes do lado oposto à trilha. Na sequência, segui pela BR 425 em manutenção até Nova Mamoré, e entendi porque demorei tanto para chegar em Guajará e o porquê cheguei tão sujo. Até Nova Mamoré foi bem tranquilo, curti a viagem me despedindo do asfalto e entrei na linha "D". Segui agora em estrada de chão até a "linha 20" a 40 km, totalizando 86 km naquele dia. Preferi dormir em uma pequena pousada pois não encotrei um local interessante para acampar, e queria descansar um pouco, senti a diferença da estrada de cascalho para o asfalto, mas mantive a média de aproximadamente 15 km/h. Precisava lavar a roupa, coisa que seria constante a partir de agora na viagem. Peguei algumas informações sobre a região, mas é uma planície sem muitas rochas para animar.
Interessante como as pessoas se espantam pelo fato de alguém estar passando de bike pela linha. Neste primeiro dia, não encontrei ninguém andando sobre duas rodas que não fossem motorizadas. Aproveitei o resto da tarde para ler alguns livros que levei. A minha alimentação tem sido regrada, sem carnes, buscando proteína em outros alimentos. Me sinto bem mais leve e com disposição para pedalar dias seguidos.
No dia seguinte, segui com o objetivo de chegar ao Parque Estadual de Guajará Mirim, a aproximadamente 50 km de distância da Linha 20. No caminho, poucos boulders. Estou mapeando-os, tirando pelo menos uma foto de cada setor para animar qualquer escalador que esteja passando pela região, mas os setores são pouco atrativos. A base administrativa do Parque eu já conhecia de um acampamento em 2009 que fizemos para os alunos de ensino médio da colégio que eu dava aula em Guajará.
No caminho, após a "Linha 28", o terreno já começava a apresentar alguns morros, o que começava a me animar, com as possibilidades de escalada, e ao mesmo tempo me cansar, por conta da pedalada. O Sol e a poeira cada vez mais lembrados pela presença constante, e a cabeça começava a entrar em questionamentos frequentes. Já havia acontecido isso no primeiro trecho de Porto Velho a Guajará. Treinando técnicas de respiração, tentei estar o mais presente possível no local, não deixando o medo se enraizar, e minimizando todos os problemas em contínuas conversas interiores. Uma grande experiência.
Na sede, devido a abertura da Estrada Parque, uma base militar foi instalada provisóriamente no local. Fui muito bem recebido, por Geraldino, Nei e toda equipe da Sedam que ali trabalhava para minimizar os impactos da implantação de uma estrada que passa por dentro do Parque.
Cheguei próximo à hora do almoço, e fui convidado a acompanhar. No local, também acampava uma equipe batalhadora de comunicação visual de Porto Velho (Sandro, Jhonatan e Vitor), que colocavam placas para orientar os motoristas no percurso da estrada parque, seguindo orientação dos biólogos que monitoravam a movimentação dos animais. Conversei com a bióloga Carla que me explicou como funcionava esse monitoramento. Outras medidas ainda devem ser propostas para evitar atropelamentos e reduzir os impactos causados pela estrada, como túneis, grades e travessias aéreas nos trechos de maior movimento de animais. Barreiras também foram montadas na entrada e na saída da estrada para controlar o trânsito, visto que o trecho é conhecida por ser utilizado como rota de tráfico de drogas, armas, contrabando e extração ilegal de madeira. O fechamento da estrada também se faz necessário no período das 18h às 6h, pois é quando os animais estão mais ativos e a visibilidade dos motoristas diminui.
No fim da tarde tomei um banho de cachoeira no interior do parque no final de uma trilha que já conhecia. Jantei com a equipe e fui armar meu acampamento. Pela manhã do dia 12.06, me preparei para retornar a jornada para conhecer a estrada Parque.
Depois de tomar café com a equipe, agradeci todo o apoio, e ainda quero aqui agradecer algumas pessoas que conheci nesta ocasião e outros que já conhecia, embora não lembre de todos os nomes, quero mencionar alguns: Geraldino, Austrino, Marcelo, Vanessa, Thiago, Prestes, Brandão, Carla, Geraldino, "Prof." Nei, Neide e todos os outros que ali lutam para assegurar a integridade de nossas reservas. A natureza evoluiu em centenas de milhares de anos neste lugar. Quanta tecnologia já extraímos dela? Quantas curas? Quantos exemplos? Assegurar alguns santuários de vida selvagem, para continuarmos a pesquisar e encontrar soluções para problemas do cotidiano é fundamental para nosso bem. Parabéns à toda equipe.
A pedalada pela Estrada Parque foi bem bacana. Várias paisagens. Mas o que mais impressionou foram as subidas e descidas que me cansaram mais do que o trajeto que fiz até ali. Diminiu a média de velocidade para 9 km/h. Cheguei a outra extremidade da estrada, que totalizava 11,5 km, exausto. E os policiais que me encontraram na barreira de saída não me alegraram muito em relação ao próximo trecho que levaria até Jacynópolis. E realmente... Muitas subidas e descidas até o próximo vilarejo, além de muito calor, pois o pasto, diferentemente da floresta, esquenta muito mais rápido. Existe um projeto do Dep. Estadual Testoni que regulamenta a extração de florestas plantadas com menos burocracia. O projeto é valoroso, já que estamos em uma região onde a floresta é algo necessário e com grande potencial econômico. Aqui é o melhor lugar para ela se desenvolver. Quando passar por Ouro Preto d'Oeste vou procurar saber mais sobre isso. Cheguei em Jacynópolis próximo ao meio dia. Só pedalei 32 km naquela manhã. Já havia pedalado 120 km e nem sinal de outras bicicletas.
Era o dia da abertura da Copa do Mundo de Futebol. Peguei uma pousada porque queria descansar durante o dia e me informei sobre o morro da Pedra Preta. Confirmei que ficava a aproximadamente 20km dali, rumo à Campo Novo de Rondônia. Ainda estava na dúvida sobre o trajeto que iria traçar a partir dali, se seguiria direto para Campo Novo ou seguiria para Buritis, onde teria apoio de uma amiga da Larissa (uma irmã-amiga que Deus me deu).
Descansei um pouco. Só que a televisão do hotel estava ligada e os comentários sobre a abertura da copa do Galvão Bueno, Ronaldinho e companhia estavam me deixando irritado. Peguei a bike, agora sem os alforjes e mochilas, e fui visitar a tal Pedra Preta. Enquanto o Brasil jogava, eu fazia a pedalada mais prazerosa da viagem, talvez pelos 45 km sem peso, talvez pelo pôr do sol que foi lindo, talvez pela Pedra Preta que surpreendeu (um granito de uns 70 m, que pode conter algumas linhas de escalada), talvez pelos boulders do trajeto, ou pelo começo de noite com uma Lua quase cheia naquele dia dos namorados com jogo do Brasil. No retorno tive uma visão com uma árvore seca e a lua, até tirei uma foto (mas as fotos do GPS não saem bem sem luz). Sinto a vibração de alegria no ar, todos alegres, nós brasileiros, felizes com o futebol. Os sentimentos que esta copa estão trabalhando nas pessoas estão sendo de grande proveito. Uma dualidade que gera reflexões. Um dia para ser lembrado, um dia feliz.
Na manhã seguinte, a indecisão do próximo trajeto a seguir acabou. Segui para Buritis e, no caminho, sempre alguns setores de boulders. Para quem for passar algum tempo pela região, com um crash e um amigo, já dá pra passar a tarde brincando...
O interessante nesse trecho foi a quantidade de subidas (pareciam bem mais que descidas). Lembrava a Estrada Parque, mas agora, parecia que as subidas não tinham fim... Não dava para ver um final. E nas subidas em que conseguia ver um fim, parecia impossível de se alcançar. Na mente, as conversas com o brother Alexandre: "Tem hora que a melhor coisa a fazer é colocar na marcha leve, concentrar na respiração, pensar positivo e tocar para cima..." No começo, a impressão de que o coração ia sair na boca, mas logo vai melhorando. Uma pedalada bem exaustiva mas bem bacana para trabalhar a cabeça. Sempre com um bom vento enviado na hora certa para dar um gás.
Agradecendo a oportunidade. Com 40 Km, aproximadamente, parei para tomar um banho em um riacho para me refrescar e me alimentar, e acabei esquecendo de bloquear o gps, apagando o trajeto daquela manhã. Depois do banho, religuei o GPS para o trajeto até Buritis. Lá chegando, logo entrei em contato com a amiga da Lala, a Selva Síria. Nome que eu curti bastante, ainda mais quando me explicou a história. Autêntico!!! E logo a anfitriã me deixou muito à vontade. Que energia boa... Sempre querendo ajudar. Seu filho, Matheus também é ótimo garoto. Ficou me devendo uma volta de bike, mas está perdoado porque foi para o sítio, na companhia de seu fiel amigo Carlos. Os amigos de infância são muito lembrados. Na sua disposição de ajudar, Selva me colocou em contanto com Enoc, marido de sua colega de trabalho e que conhece bem a região. Ele me deixou bem animado e me passou os contatos que poderiam me levar à algumas rochas na serra. Além de cachoeiras em meio à floresta. Selva gentilmente se prontificou a fazer algo para comermos, e como não estou comendo carne, sempre pensava na solução.
Conversamos sobre a possibilidade de ficar mais um dia, para me recuperar da pesada pedalada e ela concordou simpaticamente. Me apresentou uma turma muito bacana, e acabamos jantando os dois dias que ali passei. Todos muito receptivos, alegres e vibrantes. Adriana, Alester, Willian e Paulina foram ótimas companhias. Me senti em casa com eles.
No almoço do dia 14, Selva e eu almoçamos na casa de seus vizinhos. Allan e sua esposa Ariane nos receberam em casa e nos acompanharam, juntamente com Maiko e sua esposa Carla, outro casal de vizinhos da vila que Selva mora. Silmara também auxiliou na preparação de um delicioso almoço. Os dois vizinhos foram bem prestativos também ao me mostrar os caminhos a seguir para chegar em Três Coqueiros, um vilarejo na BR 421, pois de lá seguiria para a Linha Fortaleza, entre as serras, onde havia esperança de novas paredes indicadas por Enoc. Eles também gostam de uma aventura e isso se transformou num almoço com muitas histórias.
Na manhã do dia de partida, conversando com Selva, quase não vi a hora passar... Ouvir um pouco mais sobre as pessoas. Cada história, uma mensagem... Parti aproximadamente as 10h, o Sol já iluminava aquele domingo, deixando as cores bem vivas. Protetor solar e pedalar 60 km à sudoeste, bem próximo à Pedra Preta. Na ocasião que visitei, precisava de descanso, e os dois dias na casa de Selva me auxiliaram na recuperação. Ainda não me canso de agradecê-la pela força que me deu. Espero poder retribuir a todos que estão me ajudando nesta viagem. Até um sorriso de boa viagem, anima. É sentir a bondade das pessoas.
No trajeto, o desafio do dia: achar a fazenda indicada por Enoc. 60 km de morros e muita estrada de chão. Totalizando 290km de poeira e buracos até aqui. A bike está bem revisada... A galera da Rondobikes sabe realmente regular uma bike. As peças que eles colocaram estão aguentando o peso e o "treme-treme" das estradas. Em alguns momentos, a vontade de pedalar menos na subida fazia com que a bike pegasse certa velocidade na descida, e pequenos buracos se transformam em grandes impactos. O cascalho solto também é um desafio. Não há possibilidade de empurrar a bike na subida. O peso demasiado na parte traseira e o cascalho que não dá aderência para o tênis, agravam a escalaminhada. O jeito é não parar de pedalar mesmo. Já havia pensado demais na possibilidade de quebrar, tentei não pensar mais nisso e minimizar as dificuldades.
Consegui chegar em um vilarejo chamado Três Coqueiros, e lá me informei sobre o ramal Fortaleza, onde ficaria a fazenda que Enoc me indicou. Quanto mais entrava na linha mais ficava encantado com as belezas do local. Entendi porque o nome do ramal é Fortaleza, uma região cercada por serras. Uma área com grande potencial. Passei por alguns rios que já conhecia, como o Rio Jacy. Esta era a terceira vez que cruzava com eles em pontes. A primeira, próximo ao seu fim ao desaguar no rio Madeira. A segunda logo após Jacynópolis, e agora adentrando a serra, próximo à nascente. E cada vez ele fica mais bonito. Deve ser pela apresentação cada vez mais selvagem. Quando achei o local procurado, não tinha ninguém em casa. Estava anoitecendo, e como tinha identificado um local próximo para levantar acampamento, decidi fazer isso antes da noite densa. Verifiquei um local fora do campo de visão das pessoas da estrada, longe pelo menos 50 metros do riozinho que descia da serra, e evitei fazer fogueiras para não chamar a atenção nem espantar os animais. Fiz um delicioso macarrão ao molho vermelho de legumes e raízes (acho q foi a fome).
Foi um acampamento em um cenário espetacular. Mais selvagem. Uma experiência única. Tentando fixar a cabeça no presente. Pestar mais atenção nas coisas. Se conectar. A noite foi bem tranquila e cheia de estrelas. Lindo de ver. E fria, como é de costume na floresta. E o nascer do sol naquele lugar é fantástico.
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