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Trecho 2 (GM-Tracoá)

 

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        Na manhã seguinte, um café com tapioca. Todos os meus afazeres e necessidades foram feitos respeitando regras de mínimo impacto e de higiene para ambientes outdoors. Saí para explorar mais o local e tomei um banho nas águas daquele riacho... Um banho energético intenso. Rodeado pela natureza. Desarmei acampamento, lavei todos os utensílios e carreguei a bike novamente, na esperança de encontrar Fransciso, o proprietário da fazenda indicada por Enoc.
        Nesta hora, notei que um pneu estava totalmente vazio. Ele já tinha dado sinal de que estava furado, mas na ocasião foi apenas calibrado. Decidi consertá-lo naquele momento com um kit de remendo frio que levo por indicação da galera da Rondobikes. Fiz uns estágios para entender mais da bike na oficina deles antes da viagem. Sei que não conseguirei ajustar grandes problemas, mas foi bom para ter noção da mecânica básica. O furo era bem próximo à uma emenda natural da câmara de ar, o que dificultou a vedação da cola. Mas consegui segurar o pneu cheio por mais tempo. 
          Estava acampado à uns 100 metros da casa de Francisco, e foi rápido para chegar. Me apresentei e fui muito bem recebido. Ele ficou um pouco espantado com o meio de transporte, mas foi logo me contando aventuras do local, o que nos rendeu um bom tanto de conversa. Descobri várias informações sobre a área, mas os locais a serem explorados levariam muito tempo. A semana seria de feriado prolongado (quarta à domingo). Era segunda-feira e gostaria de chegar em Campo Novo de Rondônia antes do feriadão. Estava à 66 km de estrada de chão e teria que chegar no fim da tarde para aproveitar o último meio dia útil da semana, pois a tarde haveria jogo do Brasil, e não estava certo que o ICMBio (órgão que gostaria de visitar) estaria aberto.  
           Decidi voltar em uma outra ocasião para explorar mais os locais. Foi muito proveitosa a visita ao local, pois agora temos novos contatos para aventuras na região. Franscisco comentou sobre paredes que estão à apenas algumas horas de caminhada. O anfitrião ainda tentou me fazer permanecer mais uma noite no local, mas eu achei mais sensato tentar chegar em Campo Novo.
          Retornei à pedalada próximo às 11h, e o Sol já mostrava toda força de energia que sustenta a floresta. Fotografei algumas partes da área como a margem do rio Jacy, alguns patos do mato e o complexo de serras da região. Há uma certa diferença entre as estradas desta área e o trajeto que estava voltando a pedalar. Aqui, as estradas estavam mais planas, cortando entre as serras, onde havia possibilidade. Na linha da BR 421, o trajeto é obrigado a transpor vários morros de Granito, o que deixa a estrada muito mais difícil de pedalar. Ali, realmente foi um passeio por entre as serras, mas foram apenas 15 km no ramal Fortaleza. No retorno à Três Coqueiros, pausa para comer alguma frutas de um mercadinho e tentar um remendo reforçado em uma borracharia para o pneu que ainda secava.
        No  caminho para Campo Novo, blocos de granito e pequenos afloramentos aparecem constantemente. Sempre via à direita (S), embora distante, um pouco das formações do Complexo do Tracoá, dentro de reservas, e com uma geografia bem peculiar, diferenciada da formação em que estava transpondo. Paisagem esta que acompanhou quase toda viagem. A estrada cheia de desafios contava com poucos carros. Logo descobri o porquê. Uma ponte sobre o braço esquerdo do rio Candeias (isso mesmo... mais um grande rio nascendo no coração de Rondônia), havia sido queimada por alguns moradores locais. Segundo relatos, ela estava meio que quebrando, e para agilizar o trabalho das autoridades competentes e evitar acidentes, colocaram fogo na parte perigosa. Parece que deu certo... Alguns responsáveis já estavam no local, viabilizando a reconstrução da ponte. 
       Cheguei em Campo Novo de Rondônia por volta das 18:30h. Uma pequena cidade. bem iluminada e conservada. Em um pequeno córrego que margeia a cidade, vi a silhueta do maior mamífero selvagem até aqui visto na viagem (maiores até que os cachorros enfurecidos.. rs). Três capivaras adultas corriam pela água chamando minha atenção, ao lado da cidade. Fiquei admirado com a proximidade que elas estavam das luzes e vi que a região é realmente  abençoada com a proximidade da natureza.
         Procurei um hotel para descansar da desgastante e desafiante estrada. E  lavar novamente as roupas que estavam imundas. O hotel foi o mais caro até aqui, mas precisava de um local para recuperar forças, e consegui. Descansei bastante e pude ler um pouco mais um livro que ganhei da Lu, com quem aprendo muito. Já havia lido parte do livro na internet. Chama-se "O livro de Urantia". Muito doido mesmo. No mínimo interessante.  Esta valendo a pena levar este peso na viagem (o livro físico tem umas 2.000 págs).
          Na manhã seguinte, procurei o ICMBio, mas todas as pessoas que encontrei antes disso já se mostraram muito curiosas e ao mesmo tempo prestativas. Não foi diferente no ICMBio. Carlos Rangel, o responsável pela administração do Parque Nacional do Pacaás Novos, me contou grande parte da história do Parque, já que a sua história está bastante atrelada com a do Parque, pois tem paixão e conhecimento da área que trabalha a tantos anos. Juntamente com Batista, que auxilia e coordena também um grupo de brigadistas de incêndio, e outros funcionários, nesta e em outras bases de apoio. Protegem e administram o Parque de ações predatórias comuns na região, garimpo e caça. A madeira já havia sido saqueada em épocas anteriores à criação do Parque e da sede administrativa. Naquela manhã, tinham planejado uma saída a campo para verificar uma suspeita de trilha de caçadores nas fronteiras da área protegida, e acabei me escalando para acompanhá-los. Os brigadistas estavam empenhados em limpar a estrada que levava à casa de apoio no meio da reserva. 
          Corri para fechar o hotel onde a bike ainda estava, e aproveitei para entrar no Parque e tentar ver as paredes rochosas da área mais alta do Estado. Entramos no Parque e fizemos algumas trilhas à pé. Realmente havia sinais de caçadores, mas não encontramos ninguém, apenas a confirmação de que a área estava sendo bem visitada por animais, com vários barreiros e trilhas também. O que deve ter atraído caçadores que costumam construir puleiros para se esconder nas árvores e matar os animais. Em algumas conversas, expressei também a minha indignação com a caçada, até mesmo pelos índios (que são aceitos por todos). Não que eu seja contra a cultura deles, mas se fosse para assegurar a cultura mesmo, a caça deveria ser com arco e flecha e não com armas de fogo. Não sou contra nenhum índio. Acho, inclusive, que temos muito a aprender com eles ao invés de expulsá-los para reservas. Eles arrumaram uma forma de viver em "harmonia" com a Amazônia antes da colonização. Eles têm noções, por experiência, de evolução, de comidas, remédios e arquiteturas apropriadas para sobreviver neste local há milhares de anos. Sabem que a floresta é necessária. 
           A trilha que fizemos, margeava o braço direito do Rio Candeias... Muito bonito também, e depois de quase 2 km de trilha, voltamos à caminhonete com a vontade de avançar mais floresta adentro. Acabamos atolando na sequência, mostrando que o acesso era mesmo complicado. Decidimos caminhar pela estrada adentro na esperança de encontrar os brigadistas que estariam voltando, já que o combinado era o retorno antes do jogo do Brasil. Já havia até passado a hora do retorno. Caminhamos por horas e encontramos várias coisas interessantes. Mas a preocupação era com as equipes que não voltavam. Pegadas de onças, cheiros de catetos, árvores magníficas foram marcando aquela caminhada longa. O GPS marcava 6 km quando encontramos a equipe que estava voltando. Estávamos bem próximos da base no meio da reserva, mas decidimos voltar com as caminhonetes porque estávamos exaustos e sem almoço. Já era próximo às 17h e ainda queria subir em um mirante para ver as paredes do Complexo Tracoá. Voltamos à nossa caminhonete atolada e foi facinho para tirar dali. Com a vontade dos brigadistas, a caminhonete parecia a bike de tão leve.
           Chegamos ao mirante na entrada da reserva e pudemos enfim ver a beleza da natureza. Paredes enormes, mesmo vistas à uns 20 km, que fizeram tudo parecer que valeu a pena. Local que gostaria de visitar, e pela conversa com Rangel, será um prazer fazer alguma atividade de reconhecimento da área e acompanhar as equipes que trabalham duro para manter a integridade das florestas. Talvez em setembro. No retorno, ainda encontramos alguns afloramentos de Granito em alguns morros.
          Naquela noite, fui convidado a ficar na base do ICMBio e pude conhecer um pouco mais sobre as experiências de vida de Rangel e Batista. Vários assuntos de interesse comum nos renderam horas de conversa. Conheci a biblioteca pessoal de Rangel. Fascinante. Muitas obras interessantes. Várias curiosidades despertadas. Mais uma prova de que não sei nada. Fui deitar e ler um pouco para diminuir a minha ignorância.
           Acordei cedo, me aprontei e equipei novamente a bike. Tomei um café reforçado com Batista, e a prosa se alongou  novamente (rs). Queria agradecer, de modo especial, ao Carlos Rangel e ao Batista, pela hospitalidade e pelo conhecimento adquirido sobre temas tão crescentes na nossa sociedade. Suas experiências pessoais são a realidade do que estamos vivenciando. De pessoas sensatas é que estamos precisando no mundo. Cada um tem uma experiência a passar. Espero poder auxiliá-los em suas jornadas também. Tenho visto mudanças acontecendo nos mais diferentes locais, só precisamos unir forças. Saí já tarde novamente e me pus a pedalar com o objetivo de chegar à Cujubim, ao norte dali, onde encontraria a galera para uma escalada. Mas isso já é assunto para o próximo trecho.
 
2/2
Porto Velho, 28 de junho de 2014. 
 
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